- Porque é que eu estou aqui? - perguntou Adão, num sentido existencial.
- Porque é que não estás com a Eva? - interrogou-o Deus, num sentido literal.
Adão coçou estupidamente a cabeça.
- Não sei. - respondeu.
Deus descaiu os ombros, com desânimo, e disse:
- Adão és um idiota.

Como queres aquilo que queres?

Sabes o que queres dentro de ti.
Mas sabes querer por fora?
E se o quiseres aqui?
E se eu to der agora?

Certos gostos confundem-se com palavras feias.
Mas e se não disseres nada?
E se eu entender no teu olhar essas vontades alheias?
Saberás que eu sei que a vontade não tem de ser falada?

Os corpos querem para além do pensamento.
Mas e se a cabeça complicar?
E se passar o momento?
E se o que queres ficar por dar?

Há desejos que necessitam de se dizer.
Mas e se essas vontades se mantiverem caladas?
Saberás apenas querer e fazer?
Guardarás para ti as coisas desejadas?

Estamos a falar de desejo.
E se o desejo for apenas sexo?
Isso diminui o gosto do beijo?
O afecto fica sem nexo?

No fundo, no fundo, querer, queres o mundo. Mas o mundo é grande e não cabe em ti. O problema não é o teu tamanho. És grande. Só que o mundo tem obrigação de ser maior. Olha para mim. Ambos cabemos nele. Os nossos desejos serão sempre mais pequenos do que aquilo que temos. Aquilo que temos é real. Mesmo o banal. Os nossos desejos são o lado de lá. O longe daqui. Aquilo que a sorte não dá. Às vezes dá. Só às vezes. E quando não dá? Será que tens coragem de me pedir? Será que me dizes: "A tua língua é boa, não pares antes de eu me vir."? Será que dizes? Conheces-me dessa maneira? Quando te agarras ao meu corpo sabes que estou definitivamente contigo? Só contigo. Em ti. Aqui. Ali. Onde for. Gostas do cheiro da minha pele? E do calor?
Sabes, eu sei-te mas não te adivinho. Às vezes tens de me dizer como queres aquilo que queres. De outra forma, alguns desejos não passam do querer. Ficam pelo caminho.
Umas palmadas no traseiro? Se calhar sei que gostas. Mas são arriscadas estas apostas. E se tu me disseres primeiro? O saber não diminuiu o prazer. A descoberta é boa de se saborear, mas e se o tesouro não se encontrar? Entregar o prazer só ao calhas é cair em demasiadas falhas.
Queres que a minha língua toque de levezinho nos cantos da tua boca? Gostas desse sabor no beijo? E aquele breve toque de lábios? E se eu fechar os olhos, como é que sei? E quais são os sinais? Como os vejo? São palpites sábios? Não te dizem que o que sentes lá em baixo é mesmo isso, desejo?
Lá em baixo não é bem lá em baixo. É o meio. É o equador do corpo. É onde tudo vai dar, mesmo que o destino não seja esse. A bússola falha. Essas forças de atracção são mais fortes do que os pólos da Terra.
E se quiseres foder? Dizes-me, ou matas isso com eufemismos? Com gestos que dão a entender mas sem dizer. E se eu quiser que me digas? E se eu quiser ouvir da tua boca: "Quero foder contigo."? Dás-me esse prazer? Não é só meu esse querer. Se mo disseres com vontade, partilhamos o fruto pela metade. Ambos comemos com o mesmo prazer. Se não adivinho o teu jogo, posso baixar as minhas cartas e passo. E isso não pode ser. Nunca me digas que queres só um abraço quando as tuas coxas tremem com a vontade de outro querer.

10 comentários:

Alice in Wonderland disse...

Pudesse ela me dizer
O que eu preciso ouvir
Que o tempo insiste
Porque existe um tempo que há de vir
Se ela quisesse, se tivesse essa certeza
De repente, que beleza
Ter a vida assim ao seu dispor
Ela veria, saberia que doçura
Que delícia, que loucura
...

Nao é meu, é do Vinicius.

S* disse...

Gosto da escrita directa e crua... sim, as palavras devem ser ditas. Se quero que me fodas, porque não dize-lo?

FAQ(er) disse...

Alice, a poesia não pertence ao poeta. Engrandece-o, mas é de todos.

--

S*, querer a sério é coragem de poucos. Muitos querem mas não muitos fazem. Ter alguém é saber-lhe os desejos, mas também é saber de si nesses desejos. Sim, as palavras devem dizer-se.

Bianca disse...

e eu gosto quando sabem o falar. Quando em palavras sábias conquistam os encantos do querer dizer.
Beijo, este bem com desejo.

FAQ(er) disse...

A linguagem das palavras é das criações humanas mais incompreendidas. Todas as pessoas a conhecem mas poucas sabem realmente o que significa.

Fada disse...

Muito bom, o texto.

Só que, por vezes, até se diz o que se quer mas alguém não sabe ouvir...

"Azarinho", diriam uns. Mas torna-se inibitório continuar a dizer, para alguns.

FAQ(er) disse...

É,a surdez é tramada.

Fada disse...

E a estupidez, então... Pior!

FAQ(er) disse...

Não sei de nada dessa tal estupidez.

Fada disse...

Ignorância?

Achavam mesmo que eu tinha respostas?

Estão à espera que responda?

FAQed

A minha foto
cada um sabe de si (si, de mim, não de você... você sabe de si, ou seja, cada um sabe de você... vendo bem, todos sabem de si)
Achas que o mundo é uma equação estranha sem fórmula de resolução? Já pensaste enfiar os queixos na droga mas, ah e tal, isso custa os olhos da cara? Já ponderaste (seriamente) vender os olhos da cara para enfiar os queixos na droga? Parece-te que és vítima de mau-olhado frequente e/ou persistente? Já correste tudo quanto é bruxo charlatão e uma catrefada de senhoras que acham que a palma da mão é um bilhete de identidade metafísico? Resumindo... não regulas bem da cabeça?Pois não desesperes! A cura (vá, terapia... não queremos ser demasiado optimistas) para toda essa angústia EXISTE! A comunidade científica mais céptica dirá que é um placebo mas, afinal, o que raio sabem esses! Por fim... tcharan! O caminho para a CURA (terapia, vá): thefaqer[at]gmail[dot]com

Apelo à cidadania.

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Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Nada de roubalheiras literárias, pode ser? (se não puder ser, que as mentes larápias se transformem numa lesma em decomposição... uma ratazana cadavérica também serve... conhecem o termo "esforriqueira"?... bem, isso adequa-se ao estado de matéria em que devem ficar os órgãos internos dos/as prevaricadores/as)