- Porque é que eu estou aqui? - perguntou Adão, num sentido existencial.
- Porque é que não estás com a Eva? - interrogou-o Deus, num sentido literal.
Adão coçou estupidamente a cabeça.
- Não sei. - respondeu.
Deus descaiu os ombros, com desânimo, e disse:
- Adão és um idiota.

Quantas vezes o papel fala por nós?

foto de tuende

A nossa língua é sempre um sorriso de alma. É nas palavras da língua que nos acarinha a fala que crescemos e encontramos a nossa calma.
Dizemos morte e dizemos amor. Às vezes, com a mesma dor.
Eu choro com mais vontade por saber que na minha língua há uma palavra chamada saudade. Faz-me sorrir e entristecer com a mesma vontade.
O que escrevo corta-me como dentes famintos de cão. Ainda assim, estendo-lhe a mão.
A língua que nos escreve por fora as palavras que calamos por dentro é-nos grata e não. Dá-nos um agradável bater no peito e depois cai-nos o coração. Morre-nos aos pés e o olhar aumenta-nos a dor por dez.
No ódio, as palavras que nos saem da boca são a fera que sai da toca.
A raiva transforma as palavras em animais selvagens.
O calor das veias leva-nos para outras paragens onde ardem mil sóis na nossa parte do céu. Quando nos vem a vontade do regresso só choramos tudo o que se perdeu.
Ficou a cinza. O resto, o calor das palavras levou. Ardeu.
É fácil acreditar que a culpa é das palavras e que tudo foi um mal-entendido que se deu. Mas não se deu nada. Tirou-se.
A raiva pegou numa história mal contada e, a partir daí, vingou-se.
Mas a raiva não se vinga na língua, apenas lhe altera a voz. A malvadez vingativa, essa, regressa a nós.
Depois, resta-nos apenas a língua. E, com essa única companhia, ficamos sós.
Não tem de ser essa tristeza. Mesmo para a palavra mais sozinha podemos encontrar uma companhia. Trazemos pela mão a dúvida e apresentamos-lhe a certeza.
A fealdade também casa com a beleza.
E a tristeza partilha o coração com a alegria.
A cada respirar se dão encontros improváveis de palavras que envergonham os limites da poesia.
Se mais eu pudesse, mais encontros desses eu faria.
Eu seria o mágico e a língua seria o meu melhor truque de magia.

9 comentários:

Fada disse...

Quantas vezes se tem já prescindido do papel e se usam outros formatos mais etéreos?...

Gostei.
E deixa-me a pensar nas palavras que já quis dizer e apenas o papel soube, porque a língua nunca as soltou, apenas os dedos.

Beijitos :)

Maya disse...

Quer dizer ...

Eu já não digo nada ... que tá muito lindo e o costume, se bem que às vezes não entra logo à primeira e sim, sei que é essa a intenção. Tens de concordar que as aliterações deixam-nos um pouco atordoadas (só gajas a comentar aqui) e sim, sei que também é essa a intenção.

Olha, sabes que mais? Acho que devias fazer dinheiro com estes textos. Compilar num livro e tal ...

Queres que te deseje feliz natal? Não? ok.

FAQ(er) disse...

Fada, palavras leva-as o vento, e o vento enregela quando se dorme ao relento (pronto, foi só para rimar).

~

Maya, ;)

Fada disse...

FAQ(er), essa frase é um tanto ou quanto "batida", não?...
(Deve ser o vento forte que a bate, deve, deve...)

Se o vento for quente, não enregela quem dorme ao relento, poderá até ser confortável e dar-lhe alento... Ou enlouquecê-lo num momento...
(Pronto, foi só para te imitar.)

Beijito

(E desejo-te bons sonhos, com ou sem vento, porque saio daqui a rir que nem uma perdida... Ou melhor, "faqedada". ;) )

FAQ(er) disse...

Vou começar a cobrar pela boa disposição. Sempre quero ver quem contribui quando eu colocar por aqui um botãozinho a dizer DONATE.

Fada disse...

Experimenta lá!!!

Talvez renda, a tentativa!

;)

Beijitos

FAQ(er) disse...

"Talvez renda"?
Ainda me acusam de prostituição, ou o raio!
E aposto que, se rendesse, algum burocráticozinho excrementício iria logo lembrar-se de legalizar a coisa só para me tramar com uma carga de impostos e taxas de mais não sei o quê!
Não, obrigado.

Fada disse...

Mau... mas afinal, que serviços implicaria carregar no botão do DONATE??? :p

FAQ(er) disse...

Para começar, implicaria fazer-me ganhar dinheirinho. O resto não é assim tão importante...

Achavam mesmo que eu tinha respostas?

Estão à espera que responda?

FAQed

A minha foto
cada um sabe de si (si, de mim, não de você... você sabe de si, ou seja, cada um sabe de você... vendo bem, todos sabem de si)
Achas que o mundo é uma equação estranha sem fórmula de resolução? Já pensaste enfiar os queixos na droga mas, ah e tal, isso custa os olhos da cara? Já ponderaste (seriamente) vender os olhos da cara para enfiar os queixos na droga? Parece-te que és vítima de mau-olhado frequente e/ou persistente? Já correste tudo quanto é bruxo charlatão e uma catrefada de senhoras que acham que a palma da mão é um bilhete de identidade metafísico? Resumindo... não regulas bem da cabeça?Pois não desesperes! A cura (vá, terapia... não queremos ser demasiado optimistas) para toda essa angústia EXISTE! A comunidade científica mais céptica dirá que é um placebo mas, afinal, o que raio sabem esses! Por fim... tcharan! O caminho para a CURA (terapia, vá): thefaqer[at]gmail[dot]com

Apelo à cidadania.

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Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Nada de roubalheiras literárias, pode ser? (se não puder ser, que as mentes larápias se transformem numa lesma em decomposição... uma ratazana cadavérica também serve... conhecem o termo "esforriqueira"?... bem, isso adequa-se ao estado de matéria em que devem ficar os órgãos internos dos/as prevaricadores/as)