Sim, sim, é mesmo por aqui. Por aqui, menina inocente, disse a criatura maligna.
Os olhos do monstro espelharam o rosto redondo da menina com uma secreta e deliciosa malícia.
Para esconder a maldade, não basta ter idade; é preciso muita perícia.
Pois a criatura maligna era mais velha do que o mundo. E a sua maldade era um saco de truques sem fundo.
Mas eu não sei se quero ir, disse a menina inocente como quem não sabe reconhecer o perigo mas apenas o pressente.
Estava na hora de dormir, e a menina não sabia se estava acordada ou sonhava nas florestas encantadas do inconsciente.
Mas tu não vens comigo, disse a criatura maligna. Não é assim que funciona. Eu é que vou contigo. Eu sou o teu cachorrinho e tu és a minha dona. Vá, anda comigo. Vamos brincar nesta fantasia. Se eu fosse criança, era o que eu queria.
Prometes que é só a brincar?, perguntou a menina. Prometes que eu ainda vou ser eu quando a brincadeira acabar? E se eu não encontrar o caminho de volta? A minha mãe vai-se zangar. E depois eu vou chorar.
Não, não, menina inocente, discordou a criatura maligna. Vai ser muito diferente. Aqui, na nossa brincadeira, vamos fazer de conta que não há pais. E é fácil encontrar o caminho, sabes? Só tens de ver por onde vais. Olha, é por aqui. Anda comigo. Vais ver que ninguém te vai dar castigo.
Prometes?
Prometo.
Então, vou, disse a menina inocente. Mas, primeiro, tens de me dizer para onde vou.
Oh, isso não é importante, garantiu a criatura maligna. É um lugar especial, só para ti. Anda, é por aqui.
13 comentários:
Isso poderia ter sido retirado do discurso de um padre...
Fez-me lembrar o poema "Cântico Negro" de José Régio.
Rafeiro, poder, podia, só que não seria a mesma coisa... seria muito pior. :D
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Kitty, qualquer semelhança com o poema "Cântico Negro" é pura coincidência de mentes brilhantes. :)
numa tentativa de fugir à chibata...
é uma nova versao da 'alice no pais das maravilhas'?
ou a historia do bicho papão, mas mais mau do que o costume?
fiquei com medo.
A Alice não é tão interessante quanto o próprio conceito que invoca. A Alice, por sua vez, também será uma versão sabe-se lá de quê.
E o bicho-papão já não assusta ninguém desde que os ogres começaram a ser personagens simpáticas em filmes de animação.
Aqui, o mal é outro. Muito mais profundo e antigo. É um monstro que nunca nos diz quem é. Umas vezes, o rosto é-nos estranho. Outras vezes, tem cara de amigo.
Há que proteger as criancinhas.
E o problema é que por aí andam muitas criaturas malignas e crianças inocentes -.-'
E um problema mesmo grave é quando as criaturas malignas andam por aí disfarçadas de crianças...
"uma saco de truques sem fundo"
Uma saco?... :p
Assustador, este texto...
E algumas das tuas respostas...
Olhó fel, homem, olhó fel!!!
(Eu sou muito inocente...
Mas ai de quem me queira ferrar o dente...)
confesso que me arrepiou cada frase.
imaginamos o pior a cada virgula que se aproxima.
Cheguei aqui através da Sininho.
E parei!
Primeiro impacto: o ar despojado do blog. O negro da letra e o branco do fundo; a leveza da imagem, em contraste com a mensagem subtil de cada post.
Vou ficar por aqui, claro!
Fada, preferias uma bolsa Gucci? :)
O texto é o que é... uma interpretação nua da condição humana.
Como tal, o fel é o tempero adequado.
(a tua inocência não me convence... aposto que também tens um saco de truques algures...)
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Sininho, mesmo nos dias mais longos e iluminados, a escuridão persiste nos recantos escondidos e nos lugares fechados. Não vás pela sombra. ;)
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TERESA, junta-te aos bons e serás como eles. :)
Nem mais!
Porquê, andas a oferecê-las?
Nem eu disse o contrário, só te disse para teres atenção... Não vá falhar-te a mão...
(Não precisa de te convencer... Existe, mesmo que não acredites. E não, não tenho saco de truques. Perdi-o numa feira qualquer e agora só uso uma bola de cristal... ;) )
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